O conteúdo programático apresentará os conceitos que fundamentam a Antroposofia. Para a Antroposofia o ser humano está intimamente ligado à natureza e aos seus elementos, de maneira que constituem juntos um organismo complexo e harmônico. Este universo possui um aspecto visível, concreto, palpável e mensurável e outro não perceptível aos sentidos, que constitui um conjunto de forças dinâmicas, sutis. Os minerais, as plantas, os animais, as estrelas, os planetas e o ser humano formam este organismo único, simultaneamente material e espiritual. O ser humano também pode ser considerado uma imagem condensada deste universo, do macrocosmo, trazendo em si cada um de seus elementos, o microcosmo. É com base nesta relação com o mundo ao redor que podemos encontrar a cura para os desequilíbrios de saúde, na natureza e em seus processos.

A metodologia aplicada baseia-se na teoria do conhecimento de Goethe e Steiner. Os conceitos fundamentais da MA baseiam-se epistemologicamente nas ideias de Rudolf Steiner e Johann Wolfgang von Goethe. Durante o curso, o método científico de Goethe fornecerá ferramentas para desenvolver a percepção sensorial, procurando conexões, vendo todo o quadro e uma abordagem artística dos fenômenos.

A atividade artística e a euritmia constituem parte importante da formação. A experiência artística é considerada fundamental para a formação do médico antroposófico. Através das várias oportunidades de praticar arte (pintura, escultura, desenho, canto, euritmia), é possível desenvolver um olhar mais sensível para o mundo e é possível ampliar o pensamento racional. A experiência artística amplia a percepção das múltiplas nuances da condição humana. Será apresentado aos alunos outras Terapias Antroposóficas: Massagem rítmica, aplicações externas e musicoterapia.

No curso abordaremos alguns conceitos da Antroposofia que são considerados fundamentais para a compreensão dessa abordagem nos diferentes ciclos da vida humana, especialmente na infância. Entre eles cabe destacar as polaridades, a trimembração, a quadrimembração e os primeiros setênios (BOTT, 1982; HUSEMAN; WOLFF, 1982; GOEBEL; GLÖECKER, 2002).

Polaridades: De acordo com a cosmovisão antroposófica, o ser humano desenvolve-se e vive permanentemente entre duas polaridades: as forças de expansão, relacionadas aos processos de dissolução, que se manifestam patologicamente como distúrbios inflamatórios; e as forças de contração, relacionadas aos processos de desvitalização e ressecamento, que se manifestam patologicamente como distúrbios de esclerose e morte.

Trimembração: Na anatomia e na fisiologia, tais polaridades assumem uma configuração tríplice: cabeça, tronco e membros. Para a Antroposofia, essas regiões são as sedes de três sistemas: neurossensorial, rítmico e metabólico.

Ao se observar a cabeça, vê-se que nela predominam os processos neurossensoriais, com baixa vitalidade e alta especialização. A região cefálica é um polo de captação do mundo externo: som, luz, ar e alimentos. No polo oposto encontram-se o abdome e os membros, com predomínio de intensa atividade metabólica, que é o polo metabólico. Os processos de regeneração celular são muito ricos, mas inconscientes, e há um “ir para o mundo”, por intermédio das secreções produzidas, das eliminações, da ação de nossas mãos e nossos pés. Entre essas duas regiões de características bem distintas encontra-se o sistema rítmico, representado pelo tórax, que abriga o coração e pulmão, a inspiração e a expiração, a sístole e a diástole, ou seja, a concentração e a eliminação. Tais movimentos promovem o equilíbrio entre as duas polaridades e a inter-relação saudável entre o polo neurossensorial e o polo metabólico.

Quadrimembração: Em uma perspectiva complementar, o homem é visto como um ser que compartilha semelhanças com os reinos mineral, vegetal e animal, mas que também distingue-se deles pela presença da autoconsciência e da individualidade. Neste sentido, o homem é portador de quatro estruturas essenciais, também chamadas de “corpos” no vocabulário antroposófico, os quatro corpos suprassensíveis: corpo físico (elemento mineral, sólido e inerte); corpo vital ou etérico (que é formado pelas forças que possibilitam o desenvolvimento de todos os processos vitais: crescimento celular, regeneração e reprodução, entre outros); corpo anímico, alma ou corpo astral (que é formado pelas forças da consciência que estão presentes no reino animal e no ser humano como fundamento para uma vida sensitiva); e a organização do eu (que é o elemento característico do ser humano que o distingue dos demais reinos e seres da natureza; é o responsável pela atuação saudável dos demais corpos e pelo aparecimento do andar ereto, da fala, do pensar e da individualidade).

Uma das manifestações importantes da quadrimembração é o conhecimento sobre os quatro temperamentos, como os quatro corpos suprassensíveis expressam-se na corporalidade do ser humano, conhecimento que remonta à Medicina greco-galênica, muito importante para a abordagem das crianças pela Antroposofia, tanto na Medicina quanto na Pedagogia (MUTARELLI, 2006).

  • temperamento melancólico está relacionado ao elemento terra e caracteriza-se por crianças mais introspectivas, quietas e de comportamento por vezes tristonho.
  • temperamento fleumático está relacionado ao elemento água e manifesta-se em crianças mais sonhadoras, plácidas, que tendem a apreciar bem os alimentos, chegando a ser comilonas.
  • temperamento sanguíneo está relacionado ao elemento ar e caracteriza-se por crianças que são muito ativas, extrovertidas e que estão sempre em movimento.
  • temperamento colérico está relacionado ao elemento fogo e manifesta-se em crianças que assumem precocemente a liderança nos jogos e em outras atividades.

Uma das tarefas do médico escolar, prevista pela Pedagogia Waldorf, é contribuir com os professores nas intervenções terapêuticas, por meio de exercícios e orientações aos pais, buscando o equilíbrio dos temperamentos nessa faixa etária (BOTT, 1982; GOEBEL; GLÖECKER, 2002).

Os primeiros três setênios. O processo de desenvolvimento do ser humano, segundo a Antroposofia, se dá em ciclos de sete anos, marcados por acontecimentos significativos no campo biológico ou psicológico. Distinguem-se três grandes ciclos biográficos compostos de três setênios cada um: do nascimento aos 21 anos, dos 21 aos 42, dos 42 aos 63 anos/ final da vida. Na infância, os temperamentos manifestam-se mais ativamente no segundo setênio, entre 7 e 14 anos. As transformações que acontecem nos primeiros três setênios são as seguintes:

  • Primeiro setênio:Do nascimento aos 7 anos, há profundas transformações relacionadas com o crescimento e o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. O bebê absorve o mundo pelos sentidos do polo neurossensorial e vai, gradualmente, aprendendo a interagir com o mundo externo. Predominam a imaginação e a fantasia. A troca dos dentes e o início da alfabetização, em torno dos sete anos, marcam a mudança de ciclo.
  • Segundo setênio:Caracteriza-se pelo desenvolvimento principalmente do sistema rítmico e por uma relação com o mundo por intermédio dos sentimentos (pela admiração ou pela rejeição, pela simpatia ou pela antipatia) pelas pessoas ou por vivências. Nesta fase, os temperamentos ficam mais evidentes.
  • Terceiro setênio:A puberdade, por volta dos 14 anos, marca a entrada numa nova fase de amadurecimento biológico, com pleno desenvolvimento das forças metabólicas. Aos 21 anos, com a individualidade já formada, a pessoa geralmente busca a sua independência em relação ao ambiente familiar.

Salutogênese: Conforme exposto anteriormente, o profissional antroposófico procura, em primeiro lugar, apoiar os processos naturais de cura e recuperação da saúde presentes na própria criança e no adulto. Algumas vezes, vai necessitar atuar com medicamentos (quando a criança ou adulto desenvolve alguma doença aguda ou crônica) ou com terapias não medicamentosas. Porém, na maioria das vezes, vai atuar como um conselheiro de pais, familiares e professores, orientando-os sobre a melhor forma de garantir a saúde das crianças e dos adultos de uma maneira mais global.

Pedagogia Waldorf: É uma abordagem do campo da educação de crianças desenvolvida a partir da Antroposofia. Nas escolas de orientação Waldorf, o aprendizado é considerado como um fenômeno que mobiliza o corpo todo, em seus níveis físico, anímico e espiritual.

Atitude pedagógica: No ambiente familiar, a principal orientação é feita no tocante à atitude pedagógica dos pais e educadores.

  • No primeiro setênio, o estímulo deve ser dado às atividades lúdicas, reforçando a importância do brincar livre e do “dar asas à imaginação”. A criança aprende e apreende o mundo pela imitação dos gestos, pelo fazer, pela alimentação e pela relação com o outro. Por tal razão, é importante o adulto ter uma atitude coerente com o que fala e ensina. As crianças devem viver o mundo como algo bom. Recomenda-se fortemente que as crianças sejam preservadas dos conflitos e da exposição aos conteúdos adultos.
  • No segundo setênio, a criança constrói seu mundo interno, seu equilíbrio e sua saúde por intermédio da admiração e do respeito pela natureza, assim como pelo educador. Deve ser estimulada a vivência do belo.
  • No terceiro setênio, suas vivências e sua relação com o outro devem se basear na percepção do verdadeiro. Pais e educadores são referências não mais com relação às práticas de saber responder e corresponder às dúvidas e perguntas dos jovens, mas sim no tocante à necessidade de manter uma atitude de sinceridade e clareza em relação aos seus valores e às suas crenças. Todos estes elementos, aliados a outros estímulos físicos, emocionais e espirituais, criam o suporte para que a criança e o jovem mantenham-se saudáveis e desenvolvam sua individualidade plenamente.
  • Ritmos e rotinas: Tendo-se como base a noção de que a criança é ainda muito ligada às forças da natureza, que representam uma fonte de vitalidade, equilíbrio e saúde, deve-se incentivar a manutenção de um ritmo diário de atividades, acompanhando os ritmos da natureza (do dia e das estações do ano). A rotina na vida da criança, a repetição de atividades nos mesmos horários a cada dia (na alimentação, no banho, na hora do sono, de ir dormir com o anoitecer e de acordar com o nascer do sol), o brincar livre e solto em ambientes abertos, alternando tais atividades com o brincar mais recolhido e tranquilo, num ambiente acolhedor, fortalecem o organismo e dão segurança para a criança.

Alimentação: Os conceitos descritos de trimembração e de quadrimembração são uma forma de “leitura” dos fenômenos da natureza e podem ser aplicados em várias situações. Os alimentos, por exemplo, além de seu conteúdo nutricional, quantitativo, trazem em si as forças da natureza, que podem atuar na saúde da criança, por exemplo, estimulando o polo neurossensorial numa criança com características mais metabólicas, abrandando o temperamento colérico em outra ou despertando uma criança muito sonhadora e desligada.

Goetheanismo, Metodologia Científica Antroposófica. Rudolf Steiner trata da filosofia do conhecimento e da possibilidade de conhecer os fundamentos metafísicos dos fenômenos de modo objetivo inspirado nos conceitos do escritor e pensador alemão Goethe (Johann Wolfgang von Goethe).

Atividade Artística e Euritmia: A vivência artística é um elemento fundamental na formação do profissional dentro da antroposofia. Através do exercício regular das diversas modalidades da arte (pintura, modelagem, desenho, canto, euritmia) busca-se resgatar um olhar mais sensível do mundo, que para muitos de nós, ficou reduzido aos limites do puramente racional. O experimentar artístico amplia a percepção das múltiplas nuances da condição humana.

As atividades artísticas ministradas nos cursos de formação antroposófica diferem da Terapia Artística propriamente dita, onde os elementos da arte são direcionados conscientemente para atuar numa condição específica desarmônica ou patológica do indivíduo.

Cosmogênese: Cosmos e organização humana funcionam a partir de categorias arquetípicas idênticas, e compreender o Cosmo também significa compreender a organização humana. (MORAES, 2005).

 

Referência:

Core Curriculum. Seção Médica, Goetheanum – Dornach. Outubro de 2017
Manual da Comissão de Ensino. ABMA-Nacional
Ministério da saúde. Cadernos de Atenção Básica, n° 33. Brasília, 2012.